Santander financiou empreendimentos de moradia popular para investidores em bairros nobres

29/10/2025
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CPI da HIS apura se houve fraudes ou irregularidades na produção e comercialização de habitações sociais. A CPI foi instaurada após o MP constatar que unidades foram destinadas a pessoas que não se encaixavam nos critérios da política habitacional - CMSP   (Por Caroline Oliveira) - foto Paulinho Costa feebpr - 

Dos 16 empreendimentos destinados a programas de habitação social com unidades financiadas pelo banco Santander na cidade de São Paulo, nove estão localizados em bairros nobres da capital e parte deles foi adquirida por investidores com objetivo de locação.

Desde janeiro de 2021, a subsidiária do grupo financeiro espanhol no Brasil adquiriu 5.337 unidades classificadas como Habitações de Interesse Social (HIS) e Habitações de Mercado Popular (HMP). A informação foi dada por Elisangela Perussi Martins, que trabalha na área de Negócios Imobiliários no banco Santander, nesta terça-feira (28), durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de São Paulo, que investiga possíveis fraudes nos programas de habitação da capital.

Dos nove empreendimentos em bairros considerados nobres, três estão em Pinheiros; dois, na Vila Mariana; Perdizes, Vila Nova Conceição, Vila Clementino e Itaim Bibi têm um cada. Os outros sete empreendimentos estão localizados no Ipiranga (dois), na Vila Saúde (dois), na Vila Cordeiro (um), no Planalto Paulista (um) e no Belenzinho (um).

Das 5.337 unidades dos 16 empreendimentos, 3.165 estão classificadas como HIS e HMP. Desse total, 122 foram financiadas pelo banco. As outras 3.043 podem ter sido financiadas por outros bancos ou compradas à vista. Atualmente, a taxa de juros cobrada pelo Santander nos financiamentos de unidades HIS ou HMP é de cerca de 11,99% ao ano, o que não difere das taxas de financiamento para outros tipos de imóveis.

O banco também financiou outras 396 unidades HIS ou HMP oriundas de empreendimentos financiados por outros bancos. Portanto, o Santander tem em sua carteira 518 unidades para moradia social financiadas. Desse total, 140 (27%) foram compradas por investidores com o objetivo de locação.

O vereador Nabil Bonduki (PT), vice-presidente da CPI, acredita ser improvável a compra à vista, uma vez que os beneficiários atendidos pela política habitacional não podem ter uma renda mensal maior do que dez salários mínimos para o HMP no máximo.

Na semana passada, a CPI da HIS ouviu a diretora de crédito do Itaú, Priscilla Dias Ciolli, que informou que a maioria dos financiamentos de imóveis na cidade de São Paulo classificados como HIS e HMP feitos pelo banco Itaú foram para investidores com objetivo de locação. Entre 2021 e 2025, de 1.833 unidades foram financiadas para pessoas físicas. Dessas 1.105 foram comprados por investidores e apenas 728, para compradores com objetivo de moradia, o que representa 60,2% do total financiado pelo banco para esse tipo de moradia.

Desvio de finalidade
O financiamento de empreendimentos imobiliários na região central da cidade é parte do objetivo da política habitacional de HIS e HMP. As categorias foram criadas pela Prefeitura de São Paulo para atender a população de baixa renda e trazê-la mais perto de onde estão empregos e serviços. Ao construir e comercializar esse tipo de habitação, as construtoras e incorporadoras têm acesso a uma série de incentivos, entre eles, renúncia fiscal.

Ao possibilitar a compra por investidores, há um desvio de finalidade na legislação, que vem sendo apontado na CPI. “Se a empresa não tinha condição de garantir o atendimento para essa faixa de renda, ela não poderia ter feito o empreendimento e aprovado como HIS”, afirma Nabil Bonduki. “Fato disso é que uma boa parte dessas moradias estão sendo compradas por investidores. A nova legislação permite que essa moradia seja alugada, mas teria que ser para uma família que está dentro dessa faixa de renda, o que não ocorre nessas regiões, nem vai gerar um lucro significativo”, explicou.

O vereador destaca que não há problema em construir em áreas nobres e centrais. O problema está em usar os incentivos e direcionar as unidades habitacionais para grupos diferentes do público alvo da política pública.

“Os incentivos que foram dados para produção de habitação de interesse social e habitação de mercado popular foram feitas objetivando baratear o custo da unidade habitacional em áreas bem localizadas e seria bastante desejável que fossem comercializadas unidades para essa faixa de renda, tanto que elas foram aprovadas dessa maneira”.

De acordo com a legislação municipal, para imóveis até R$ 266 mil, classificado como HIS 1, o comprador deve ter renda mensal familiar de até três salários mínimos; para habitações R$ 369 mil, dentro do HIS 2, renda mensal familiar de três a seis salários mínimos; e para imóveis até R$ 518 mil, na categoria de HMP, renda mensal familiar de seis a dez salários mínimos.

O que diz a legislação?
Diferente dos compradores que adquirem imóveis HIS ou HMP para fins de moradia, os investidores não precisam se enquadrar nos critérios de renda como aqueles que compram para fins de moradia.

“Quando tem esse caso [locação], a exigência da norma é com relação à declaração de que o imóvel será destinado para locação. Não é a exigência de certidão sobre enquadramento de renda, porque os investidores não precisam se enquadrar na renda. Uma outra exigência que o Itaú faz também é de que no momento da averbação da matrícula conste na matrícula que a destinação é para locação”, disse Maira Blini de Carvalho, a advogada que acompanhou a diretora de crédito do Itaú, Priscilla Dias Ciolli, no dia 21 de outubro.

Além disso, não há um dispositivo legal para limitar a quantidade de imóveis adquiridos por uma única pessoa. Atualmente, não há uma norma que determine a compra de somente uma unidade. Entre 2021 e 2025, dos 1.105 investidores que financiaram seus imóveis junto ao Itaú, 60 deles compraram mais de uma unidade e sete, mais de duas unidades.

Apesar das regras estabelecidas pela legislação, a comercialização ocorre à revelia do poder público, que não tem instrumentos para fiscalizar a venda. No decreto 64.244, de maio de 2025, que regulamenta as regras para imóveis de HIS e HMP, há a previsão de uma ferramenta de fiscalização por meio de uma plataforma, onde todos os contratos de locação deverão ser cadastrados. O programa, no entanto, ainda está em fase de testes.

Vitacon na mira
Os vereadores também decidiram pelo adiamento da votação de um requerimento de informações à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável por fiscalizar e normatizar o mercado de valores mobiliários no Brasil, sobre o fundo de investimentos imobiliários da Housi, que pertence à construtora e incorporadora Vitacon. A empresa atua como uma ponte entre quem tem um imóvel Vitacon para alugar e quem quer alugar um apartamento.

Bonduki, autor do requerimento, aponta para a suspeita de conflito de interesses entre as duas empresas que pertencem ao mesmo bloco empresarial.

Ambas são presididas por Alexandre Frankel, que compareceu à CPI no dia 21 de outubro, mas pediu o reagendamento de seu depoimento por motivos pessoais. Ele seria o primeiro representante entre construtoras e incorporadoras a depor ao colegiado. A Vitacon já foi notificada pela Prefeitura para prestar esclarecimentos sobre pelo menos dois empreendimentos, nos bairros Vila Olímpia e Itaim Bibi, na zona sul.

Em determinado momento, o vereador Isac Félix (PL) elevou a voz contra Silva Ferraro da Bancada Feminista (Psol) depois que a vereadora cobrou urgência na convocação de Alexandre Frankel “para que não se pense” que os parlamentares estão sendo “levianos”. Na sequência, Félix afirmou que se sentiu ofendido com a fala da psolista e ergueu o tom de voz.

Ação contra a Prefeitura
A CPI foi instaurada após o Ministério Público de São Paulo (MPSP) constatar a existência de habitações destinadas a pessoas que não se encaixavam nos critérios estabelecidos pela política habitacional.

O órgão ajuizou uma ação civil pública contra a prefeitura e informou que as investigações apontam para a “omissão” da gestão de Ricardo Nunes (MDB) “no dever de fiscalizar sua própria política, que prevê a concessão de incentivos públicos para empresas que pretendem construir moradias”. De acordo com o MP, há “inúmeras fraudes com alienação e locação daquelas unidades habitacionais para quem não se enquadra nas respectivas faixas de renda em prejuízo do público-alvo”.

Entre dezembro de 2024 e janeiro de 2025, a promotoria recebeu dos Cartórios de Registro de Imóveis de São Paulo mais de 560 notificações de possíveis alienações fraudulentas de unidades HIS e HMP. (Fonte: Brasilde Fato - Editado por: Rodrigo Gomes)

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